Prof. Dr.  Jack Brandão
 
 
Literatura

         
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JUNQUEIRA FREIRE

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Temor

Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas

A cada instante te oferece a cova.

Pisemos devagar. Olhe que a terra

        Não sinta o nosso peso.

 

Deitemo-nos aqui. Abre-me os braços.

Escondamo-nos um no seio do outro.

Não há de assim nos avistar a morte,

        Ou morreremos juntos.

 

Não fales muito. Uma palavra basta

Murmurada, em segredo, ao pé do ouvido.

Nada, nada de voz, - nem um suspiro,

        Nem um arfar mais forte.

 

Fala-me só com o revolver dos olhos.

Tenho-me afeito à inteligência deles.

Deixa-me os lábios teus, rubros de encanto.

        Somente pra os meus beijos.

 

Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas

A cada instante te oferece a cova.

Pisemos devagar. Olha que a terra

        Não sinta o nosso peso.

 

Martírio


Beijar-te a fronte linda 
Beijar-te o aspecto altivo 
Beijar-te a tez morena 
Beijar-te o rir lascivo 
  
Beijar o ar que aspiras 
Beijar o pó que pisas 
Beijar a voz que soltas 
Beijar a luz que visas 
  
Sentir teus modos frios, 
Sentir tua apatia, 
Sentir até répúdio, 
Sentir essa ironia, 
  
Sentir que me resguardas, 
Sentir que me arreceias, 
Sentir que me repugnas, 
Sentir que até me odeias, 
  
Eis a descrença e a crença, 
Eis o absinto e a flor, 
Eis o amor e o ódio, 
Eis o prazer e a dor! 
  
Eis o estertor de morte, 
Eis o martírio eterno, 
Eis o ranger dos dentes, 
Eis o penar do inferno!

 

Morte

(Hora de delírio)

 

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dois fantasmas que a existência formam,
— Dessa alma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
Do prazer que nos custa a dor passada.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és apenas
A visão mais real das que nos cercam,
Que nos extingues as visões terrenas.

(...)

Amei-te sempre: — e pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra — esse elemento;
Que não se sente dos vaivéns da sorte.

Para tua hecatombe de um segundo
Não falta alguém? — Preenche-a tu comigo.
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Miríadas de vermes lá me esperam
Para nascer de meu fermento ainda.
Para nutrir-se de meu suco impuro,
Talvez me espera uma plantinha linda.

Vermes que sobre podridões refervem,
Plantinha que a raiz meus ossos ferra,
Em vós minha alma e sentimento e corpo
Irão em partes agregar-se à terra.

 

 

E depois nada mais. Já não há tempo,
Nem vida, nem sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o nada, — esse real tão belo
Só nas terrenas vísceras deposto.

(...)