Prof. Dr.  Jack Brandão
 
 
Literatura

         
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ALUÍSIO AZEVEDO

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O cortiço

 Principais características

Determinismo

A obra transcorre em um espaço físico delimitado e descreve um grupo social definido. Um dos maiores valores de Aluísio, que vemos retratados em O Cortiço é sua facilidade em fixar conjuntos humanos, em fazer uma análise de tipos sociais, só que esses só se manifestam em decorrência do meio, pois o grande personagem na verdade é o conjunto, ou seja, o cortiço. O ambiente determina os comportamentos humanos.

Como exemplo, podemos citar as transformações pelas quais passam os portugueses João Romão e Jerônimo, que são fruto do conflito raça X meio. O primeiro, após enriquecer e por invejar seu vizinho rival Miranda, aristocratiza-se. O segundo declina moralmente ao ceder aos apelos do desejo carnal suscitados por Rita Baiana.

Outros personagens também têm seus destinos intimamente vinculados ao meio que vivem, como Pombinha, menina pura que vivia no cortiço, mas que, por estar em um ambiente degradante, acaba se casando e depois se separando, passando a viver com Leónie, uma prostituta que antes de Pombinha casar havia levado a menina a experimentar atos homossexuais. Seguindo o mesmo ciclo, levará à prostituição Senhorinha, filha de Jerônimo e Piedade de Jesus.

 

·         E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo-a de espanto e de um instintivo temor (...) Léonie fingia prestar-lhe atenção e nada mais fazia do que afagar-lhe a cintura, as coxas e o colo. Depois, como que distraidamente, começou a desabotoar-lhe o corpinho do vestido. (...) E, apesar dos protestos, das súplicas e até das lágrimas da infeliz, arrancou-lhe a última vestimenta, e precipitou-se contra ela, a beijar-lhe todo o corpo, a empolgar-lhe com os lábios o róseo bico do peito. (...) Pombinha arfava, relutando; mas o atrito daquelas duas grossas pomas irrequietas sobre o seu mesquinho peito de donzela impúbere, e o roçar vertiginoso daqueles cabelos ásperos e crespos nas estações mais sensitivas da sua feminilidade, acabaram por foguear-lhe a pólvora do sangue, desertando-lhe a razão ao rebate dos sentidos. (Capítulo XI)

 

O clima quente dos trópicos também é um elemento determinista no romance. Em várias passagens, o calor encontra-se vinculado ao comportamento das personagens.

 

·               E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.  (Capítulo I)

·               E nos seus movimentos de desespero, quando levantava para o céu os punhos fechados, dir-se-ia que não era contra o marido que se revoltava, mas sim contra aquela amaldiçoada luz alucinadora, contra aquele sol crapuloso, que fazia ferver o sangue aos homens e metia-lhes no corpo luxúrias de bode. (Capítulo XVI)

·               E no entanto o sol, único causador de tudo aquilo, desaparecia de todo nos limbos do horizonte, indiferente, deixando atrás de si as melancolias do crepúsculo, que é a saudade da terra quando ele se ausenta, levando consigo a alegria da luz e do calor. (Capítulo)

 

Sensorialismo

Um dos pontos estilísticos mais importantes em O Cortiço é a minuciosa descrição de ambientes e personagens, da qual emergem elementos perceptíveis pelos sentidos, para compor um quadro de sons, cores, cheiros e formas.

Em alguns casos, tais descrições adquirem um caráter decisivo para a narrativa, como no exemplo abaixo, em que a dança de Rita Baiana, combinada com sua voz e seu cheiro, vai provocar uma radical mudança de comportamento em Jerônimo:

 

·         Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. (...) tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. (Capítulo VII)

 

A natureza do Brasil também provocou mudanças em Jerônimo:

 

·         Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos (...) A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. (Capítulo IX)

 

As personagens são todos sensíveis a um código sonoro, visual, aromático e tátil. Estão expostos às leis naturais reagindo dentro de um princípio de estímulo e resposta em relação ao ambiente. Outro exemplo é a imagem do sol e sua interferência não apenas sobre a comunidade, mas sobre uma personagem especial, Pombinha:

 

·      E suspirando, espreguiçou-se toda num enleio de volúpia ascética. Lá do alto o sol a fitava obstinadamente, enamorado das suas mimosas formas de menina. Ela sorriu para ele, requebrando os olhos, e então o fogoso astro tremeu e agitou-se, e, desdobrando-se, abriu-se de par em par em duas asas e principiou a fremir, atraído e perplexo. (...) Nisto, Pombinha soltou um ai formidável e despertou sobressaltada, levando logo ambas as mãos ao meio do corpo. E feliz, e cheia de susto ao mesmo tempo, a rir e a chorar, sentiu o grito da puberdade sair-lhe afinal das entranhas, em uma onda vermelha e quente. (Capítulo XI)

 

Volúpia

             Outro fato que é bastante destacado na obra é a volúpia, várias cenas são descritas em cima desse tema, e essas descrições são feitas de modo bem detalhista e realista, tomando para isso, termos científicos, biológicos, fazendo alusão às ideias correntes na época: o cientificismo, darwinismo e todas as demais teorias biológicas que estavam em alta, e eram características principais do Naturalismo. O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica do determinismo biológico, e do naturalismo, conduz Aluísio a buscar quase todas as formas de patologia sexual, desde o acanalhamento das relações matrimoniais, adultério, prostituição, lesbianismo, etc. Podemos justificar essas afirmações com um trecho da história que relata um encontro sexual de Miranda e Estela (ambos eram casados, mas como Estela o havia traído eles não mais mantinham relações íntimas, só que Miranda não se separava dela por causa do dinheiro):

 

·         Miranda nunca a tivera, nem nunca a vira, assim tão violenta no prazer. (...) Descobriu-lhe no cheiro da pele e no cheiro dos cabelos perfumes que nunca lhe sentira: notou-lhe outro hálito, outro som nos gemidos e nos suspiros. E gozou-a, gozou-a loucamente, com delírio, com verdadeira satisfação de animal no cio. E ela também, ela também gozou, estimulada por aquela circunstância picante do ressentimento que os desunia; gozou a desonestidade daquele ato que a ambos acanalhava aos olhos um do outro; estorceu-se toda, rangendo os dentes, grunhindo, debaixo daquele seu inimigo odiado, achando-o também agora, como homem, melhor que nunca, sufocando-o nos seus braços nus, metendo-lhe pela boca a língua úmida e em brasa. (Capítulo I)

 

Zoomorfismo

O Naturalismo manifesta grande interesse pelos instintos (principalmente o sexual. Algumas vezes o tema em destaque não é o ato sexual em si, mas também a sensualidade), pois eles são encarados como determinantes de comportamento. Quando as personagens se deixam guiar pelos instintos, acabam sendo comparados aos animais. Tal técnica chama-se zoomorfismo. A zoomorfização dos habitantes do cortiço é um procedimento constante ao longo da obra e, apesar de estar muitas vezes ligada ao comportamento sexual, pode também servir para metaforizar ações vinculadas à tristeza, ao trabalho, à procriação.

 

·         Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E o Firmo, bêbado de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra. (Capítulo X)

 

·         E o mugido lúgubre daquela pobre criatura abandonada antepunha à rude agitação do cortiço uma nota lamentosa e tristonha de uma vaca chamando ao longe, (...) assentada à soleira de sua porta, paciente e ululante como um cão que espera pelo dono, maldizia a hora em que saíra da sua terra (...). (Capítulo XVI)

 

·         (...) deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, (...) enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas, (...) trabalhando e mais a amiga como uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma boa parte da bela pedreira (...). (Capítulo I)

 

·         (...) e as mulheres iam despejando crianças com uma regularidade de gado procriador. (Capítulo XIII)

 

·         (...) e ouvia, a contragosto, o grosseiro rumor que vinha da estalagem numa exalação forte de animais cansados. Não podia chegar à janela sem receber no rosto aquele bafo, quente e sensual, que o embebedava com o seu fartum de bestas no coito. (Capítulo II)

 

·         Daí a pouco, em volta das bicas era um zumzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. (Capítulo III)

 

Os elementos marcam-se pela sua impessoalidade, dissolvidos na comunidade instintiva e animal. Para ressaltar esses seres primitivos, o narrador acentua a degradação dos tipos aproximando-os insistentemente de animais e conferindo-lhes apelidos. Leandra com “ancas de anima do campo”; Neném como uma “enguia”; Paula com “dente de cão” e Pombinha, com esse nome no diminutivo ocultando seu verdadeiro nome, significa a fusão do natural e do cultural, quando o narrador privilegia o apelido de caracterização zoomórfica. E assim, narrativa adentro persiste um movimento de zoomorfização das criaturas, nivelando-as por baixo, pelo que tem de mais elementar. As personagens se xingam de cão, vaca, galinha, porco; Jerônimo com suas “lascívias de macaco e cheiro sensual dos bodes”; etc.

 

A mudança do cortiço

O cortiço é personificado no decorrer da obra, sendo muitas vezes tratado como um único personagem. Se Jerônimo e João Romão, entre outros, sofrem ao longo do romance uma substancial transformação causada pelo meio, o cortiço em si também vai experimentar um processo de mutação semelhante ao de seu dono.

Assim como João Romão passa de modesto empregado de uma venda a rico negociante de aparência aristocrática, o cortiço também nasce, cresce e, após sofrer um incêndio, é reconstruído de maneira a tornar-se uma honrada vila. Ou seja, como seu dono, o cortiço também se aristocratiza.

Dessa maneira, enquanto os moradores do local se zoomorfizam, o cortiço antropomorfiza-se, ou seja, ganha características humanas.

 

·         Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. (Capítulo III)

 

A mulher

A mulher participa do regime de trocas, ela dá e recebe. A posição da mulher na estética naturalista, no entanto, é bem diversa daquela na estética romântica. Descrita mais objetivamente, enraizada na realidade, ela surge sem as idealizações e falseamentos. Nessa narrativa de Azevedo, a mulher é descrita principalmente como fêmea, que se acasala com o macho por interesses físicos e materiais.

Pontuamos um aspecto importante na obra, a redução da mulher a três condições: a) como objeto – usadas e aviltadas pelo homem, escravas ao realizarem os afazeres domésticos e trabalhistas (a maioria das mulheres do cortiço eram lavadeiras) ou em objeto sexual, pronta a todo o momento a satisfazer as necessidades dos homens;

b) como objeto e sujeito, simultaneamente;

c) como sujeito, são as que se independem do homem, prostituindo-se.

 

A mulher-objeto

 

Exemplifica-se inicialmente em Bertoleza, elemento feminino que se associa ao masculino (João Romão) para criação do cortiço. Macho e fêmea trabalham dia e noite, e quanto mais o tempo passa, mais o macho se afasta da fêmea, uma vez que ela era peça fundamental apenas no princípio da carreira de Romão:

 

·           à medida que ele galgava posição social, a desgraçada descia mais e mais, fazia-se mais escrava e rasteira.

 

Outro exemplo é Zulmira: vai ser outro degrau utilizado por Romão. As ligações entre ele e Bertoleza e ele e Zulmira são totalmente circunstanciais. As mulheres aí são elementos cambiáveis no comércio que ele opera.

A mulher sujeito-objeto

 

 A relação Estela / Miranda coloca os dois em nível de igualdade. Ambos se beneficiam. Essa relação ajusta o regime de trocas sexuais, que são a contrapartida das trocas econômicas e sociais.

 

– Ora! Explicava o marido. Eu me sirvo dela como quem se serve de uma escarradeira!”. (Capítulo II)

 

A dupla Rita / Jerônimo exemplifica o mesmo regime de trocas. O Narrador vem ao nível do enunciado para dizer que entre eles se cumpria o ritual da atração racial. Rita é metonímia da natureza tropical enquanto Jerônimo é o símbolo daquilo que o autor chama de “raça superior”:

 

·           (...) mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinado-a com sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. (Capítulo XV)

 

Todas essas personagens têm a caracterizá-las ou a permanência no mesmo status econômico e social ou a decadência. Nenhuma sai de seu conjunto, as transformações são endógenas e não exógenas como se dará com Léonie, Pombinha, Senhorinha.

 

A mulher-sujeito

O termo sujeito aqui implica numa interpretação dos valores ideológicos da comunidade descrita. Assim como João Romão consegue se impor afirmando-se enquanto indivíduo dentro dos padrões vigentes na sociedade, aquelas mulheres (Léonie, Pombinha, Senhorinha) também se destacam na dependência contínua ao macho e passam a exercer o poder através do sexo-luxúria.

Léonie, protótipo da mulher do cortiço que saiu para a prostituição de elite. Ela pode desfilar com os amantes pelas ruas e teatros com a mesma leveza com que regressa ao cortiço para ver sua afilhada. O modelo de Léonie repete-se em Pombinha, que é por ela seduzida, deixando de lado seu aspecto angelical para assumir a imagem da “serpente”, que o narrador maneja para classificar o vigor do instinto e a ameaça sexual. Repete-se o determinismo: Pombinha será devorada por Léonie por meio da iniciação homossexual:

 

·         A serpente vencia afinal: Pombinha foi, pelo próprio pé, atraída, meter-se-lhe na boca. (Capítulo XXII)

 

Tal modelo se repete com a filha de Jerônimo / Piedade, atraída por Pombinha:

 

·         A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria. (Capítulo XXII)

 

A exploração do homem pelo homem

No primeiro parágrafo do livro encontramos João Romão como proprietário de uma venda. Depois que se associa a Bertoleza, explorando-lhe o corpo e o trabalho, sua propriedade se expande: compra um pouco de terra ao fundo da taverna, rouba material do terreno vizinho, acaba construindo três casinhas

 

·         que foram o ponto de partida do grande cortiço São Romão. Hoje quatro braças de terra, amanhã seis, depois mais outras, ia vendeiro conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos de sua bodega; e, à proporção que o conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de moradores. (Capítulo I)

 

       Por outro lado, seu negócio melhorava. Com sua febre de possuir, ele transformava a simples taverna num bazar com produtos importados, e além de Bertoleza tem a vários caixeiros. Ao fim o cortiço já se compõe de noventa e cinco moradias. Realizou-se o modelo biológico da transformação da vida pela meiose progressiva:

 

·         E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, a multiplicar-se como larvas no esterco. (Capítulo I)

 

A personagem Bertoleza (escrava fujona) era extorquida por João Romão, dono do cortiço. Este era uma pessoa mesquinha, que não media esforços para conseguir o que queria, nem que para isso tivesse que passar por cima dos outros. Bertoleza trabalhava dia e noite sem parar e não era reconhecida, até porque no final da obra João, querendo se casar com a filha do Miranda para adquirir riqueza, manda os verdadeiros donos da escrava buscá-la, para poder se casar com Zulmira. A negra no ato vendo-se traída pelo companheiro enfia uma faca no ventre rasgando-o. A descrição dos fatos nessa cena é de forma tão cientificista e realista que parecemos visualizá-la.

 

·         Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois emborcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue. João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos. Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinham, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito. Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas. (Capítulo XXIII)


           Vemos na cena acima descrita, e também em outras passagens do romance, um total abandono de sentimentos, quando o que vale é o dinheiro e o poder. Aquela idealização e sentimentalismo românticos não têm mais vez nesse período, as ideias realistas e naturalistas já têm tomado todo o espaço de fato, retratando o que realmente acontecia no contexto social da época.

Outro exemplo em que podemos perceber a força da ambição:

 

·         – Deixa estar, conversava ele na cama com a Bertoleza; deixa estar que ainda hei de entrar pelos fundos da casa, se é que não lhe entre pela frente! Mais cedo ou mais tarde como-lhe, não duas braças, mas seis, oito, todo o quintal e até o próprio sobrado talvez!

E dizia isto com uma convicção de quem tudo pode e tudo espera da sua perseverança, do seu esforço inquebrantável e da fecundidade prodigiosa do seu dinheiro, dinheiro que só lhe saía das unhas para voltar multiplicando.

Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar os bens. (...) Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular, de reduzir tudo a moeda. (Capítulo I)


             Finalizando, podemos perceber que Aluísio, de fato, retratava a sociedade da época, apontando as falhas do sistema ao denunciar a exploração dos cortiços, que na verdade não foge muito da nossa realidade, com pessoas querendo mais e mais poder e dinheiro, pensando somente em si mesmas, enquanto milhões de pessoas vivem marginalizadas em favelas e nas ruas.

Por isso, Aluísio Azevedo pode ser considerado um escritor universal (pelo que é apresentado no livro), pois sua obra é atemporal, é sempre atual e de suma importância para entendermos o que a sociedade estava enfrentando na época e para que possamos refletir sobre a situação degradante que por ora vivemos e nem sequer percebemos. Ele traz à tona, o que os livros de história, os meios de comunicação e os políticos não nos mostram: que estamos muito longe de ser uma sociedade ideal.

O seu estudo é indispensável na área das ciências humanas, pois traz-nos não somente um tema qualquer, mas uma análise crítica da vida social.